Quando o Arrependimento Se Torna um Lugar: Por Que Dizemos “Sim” e Sofremos, Dizemos “Não” e Sofremos Também?
Imagine alguém que diz “sim” para um convite que sabe que trará dor. Depois sofre, se culpa, se sente usado.
Agora imagine essa mesma pessoa dizendo “não” para o mesmo convite — e, mais uma vez, sofre, se culpa, se sente só.
É como se, qualquer que seja a escolha, o resultado fosse o mesmo: arrependimento.
Mas o que está acontecendo aqui?
A armadilha invisível: o sofrimento que se repete
Esse tipo de repetição emocional não é raro. Muitas pessoas vivem aprisionadas em um ciclo de decisões onde nenhuma alternativa parece boa.
A experiência é a seguinte:
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Se eu ceder, me machuco.
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Se eu me proteger, me culpo.
O sofrimento, então, não está apenas na decisão tomada, mas parece antecipado por um padrão interno.
E é nesse ponto que vale perguntar: será que o arrependimento se tornou um lugar onde essa pessoa se reconhece?
A função psíquica do arrependimento
Na psicologia — e mais especificamente na psicanálise — sabemos que o sujeito não é inteiramente consciente das razões que o movem.
Às vezes, sem perceber, uma pessoa repete formas de se relacionar com o mundo que estão marcadas por antigas dores.
O arrependimento pode não ser apenas um sinal de que “errei”.
Ele pode ser um modo de confirmar que continuo sendo aquela pessoa que falha, que se equivoca, que não merece…
É uma maneira inconsciente de reafirmar uma identidade construída no sofrimento.
Nesse cenário, o problema não está na escolha em si, mas na posição subjetiva de quem escolhe: um modo de se colocar no mundo onde o sofrimento já é esperado, quase inevitável.
O desejo de não sofrer... que leva ao sofrimento
Curiosamente, muitas decisões são tomadas na tentativa de evitar a dor.
Alguém aceita sair com quem já fez mal — porque “a pessoa pode mudar”.
Ou recusa um encontro — para se proteger da decepção.
Mas em ambas as opções, há um depois recheado de culpa, vazio e autorreprovação.
É como se o sujeito dissesse:
“Não importa o que eu faça, no fim eu estarei errado.”
Esse é um ponto delicado, porque a dor passa a não depender mais da situação externa, mas da forma como a pessoa se relaciona com suas próprias escolhas.
Então, o que fazer com isso?
Não existe fórmula mágica. Mas é possível iniciar um processo de escuta de si mesmo.
Algumas perguntas podem ajudar:
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Eu me arrependo porque realmente fiz algo errado… ou porque não suporto me ver tomando decisões?
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Existe algum lugar dentro de mim que já espera que, no fim, eu vá me machucar?
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O arrependimento me visita toda vez que ajo… ou toda vez que não ajo?
Talvez o primeiro passo não seja “decidir melhor”, mas parar de se machucar por cada decisão tomada.
Talvez seja possível romper com a necessidade de se arrepender para validar o que sente.
Arrependimento: fim ou recomeço?
O arrependimento pode ser paralisante, sim. Mas também pode ser uma porta de entrada para o autoconhecimento.
Quando nos damos conta de que estamos presos a um roteiro — onde qualquer escolha resulta em dor — podemos começar a escrever algo novo.
A cura não está em escolher certo.
Está em entender quem é essa pessoa que, independentemente da escolha, sempre se vê culpada.
E a partir dessa escuta, talvez, possa surgir uma nova forma de viver.
Uma forma menos marcada pelo castigo… e mais orientada pela liberdade.
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