Por Que Repito os Mesmos Erros?

 


Um Olhar Psicanalítico Sobre o Sofrimento que se Reproduz

Você já disse para si mesmo:
“Nunca mais vou passar por isso.”
Mas, meses depois, lá está você: na mesma situação.
Mesmo tipo de relação, mesmo conflito, mesmo fim.

É como se algo maior do que a sua vontade estivesse no comando.

Muitas pessoas buscam terapia dizendo:

"Eu sei que não deveria mais agir assim, mas parece que não consigo evitar."

Isso não é preguiça, nem burrice, nem falta de informação.
É a repetição.

A psicanálise há muito tempo se ocupa dessa força silenciosa que faz o sujeito refazer seu sofrimento, mesmo quando tudo nele deseja o contrário.

(Entre a consciência e o ato, há um abismo chamado desejo.)


A ilusão da escolha racional

Vivemos num tempo que valoriza a ideia de que somos seres racionais.
Aplicativos de organização, cursos de produtividade, frases de autoajuda... tudo isso supõe que, se pensarmos direito, escolheremos melhor.

Mas o que fazer quando escolhemos mal, sabendo que estamos escolhendo mal?

Essa é a cena trágica de muitos pacientes:
saber que aquilo faz mal, mas ainda assim desejar.
Saber que vai se repetir, e mesmo assim ceder.

A psicanálise parte de um ponto incômodo:
nem tudo o que fazemos é decidido de forma consciente.

(O inconsciente não é burro. Ele é fiel. Fiel a algo que ainda não foi elaborado.)


A repetição em Freud

Freud se deparou com a repetição em seus pacientes neuróticos.
Pessoas que, mesmo compreendendo suas questões, voltavam a agir como antes.

Em seu texto “Recordar, Repetir e Elaborar” (1914), Freud observa que o paciente muitas vezes não lembra do trauma, mas o repete.
A repetição aparece como um modo de fazer vir à tona algo que não foi simbolizado — como se o sujeito estivesse tentando, inconscientemente, reencenar o que não conseguiu significar.

“O paciente não se recorda de nada do que esqueceu ou recal­cou, mas o expressa por meio de atos. Ele o repete, sem saber, é claro, que está repetindo.”
(Freud, 1914)

Repetir, nesse sentido, é uma forma de lembrar.
Mas é um lembrar sem palavras.
É o corpo, a escolha, o fracasso que falam por aquilo que o sujeito ainda não pode dizer.

(O que não foi simbolizado, retorna. Sempre.)


O que Lacan nos ensina sobre a repetição?

Ao longo do ensino de Jacques Lacan, a repetição ganha uma dimensão mais radical.
Para ele, repetir não é simplesmente reencenar o passado. É reencontrar o que nunca foi possuído.

Em outras palavras: não repetimos algo que tivemos, mas algo que nos faltou.
E é justamente isso que retorna: o traço deixado por uma ausência primordial.


🔄 Repetir é buscar no Outro o que nunca houve

Lacan afirma que o sujeito está estruturado em torno de uma falta.
Essa falta não é um defeito, mas a própria condição de desejar. É ela que nos move.

Mas, ao mesmo tempo em que nos move, essa falta também nos inquieta.
E então repetimos.
Procuramos no presente uma satisfação imaginária para aquilo que nunca se deu no passado.

“A repetição não é da ordem da recordação. Ela é da ordem da insistência do gozo.”
— Lacan, Seminário 11

O que quer dizer isso?

Que o que se repete não é a lembrança, mas o modo como o sujeito tentou gozar (se satisfazer) frente à falta.

(Na repetição, não buscamos o mesmo evento. Buscamos a mesma tentativa de preencher o vazio.)


Por que seguimos desejando o que nos faz mal?

Essa é uma pergunta que os pacientes trazem com dor.
"Por que eu me envolvo sempre com pessoas que me rejeitam?"
"Por que eu fujo do que me faz bem?"
"Por que eu mesmo saboto o que quero conquistar?"

A resposta não está apenas no comportamento. Está na estrutura do desejo.

Segundo Lacan, o desejo está sempre enlaçado ao desejo do Outro.
Ou seja, o que desejamos tem relação com o que acreditamos que o Outro quer de nós.
Assim, muitas vezes, repetimos para nos manter na mesma posição subjetiva que tivemos com nossos primeiros objetos de amor (pais, cuidadores).
Mesmo que essa posição tenha sido de falta, de desamparo, de culpa.

“A repetição é o retorno de um gozo impossível, travestido de nova chance.”


💥 O gozo como insistência no sofrimento

Gozo, na psicanálise lacaniana, não é prazer.
É um tipo de satisfação que passa pelo sofrimento, uma forma de insistência pulsional que escapa à lógica do bem-estar.

É por isso que alguns sujeitos só se sentem vivos no caos, no drama, na angústia.
O sofrimento se torna familiar — e, paradoxalmente, necessário.

(O sofrimento repetido é, muitas vezes, a linguagem do que não foi escutado.)


🪞Exemplo clínico (ficcionalizado)

Imagine alguém que, desde pequeno, só recebia atenção quando estava doente ou com problemas.
Ao crescer, não percebe conscientemente esse padrão, mas segue se colocando em situações de dor — relacionamentos abusivos, fracassos autoinduzidos.

Na repetição, ele não busca punição, mas reconhecimento.
Busca ser visto. Mas repete o mesmo roteiro porque não sabe desejar de outro lugar.


O que é um sintoma repetitivo na psicanálise?

Na clínica psicanalítica, chamamos de sintoma tudo aquilo que se repete como um impasse, como um ponto de sofrimento que insiste, mesmo sem um motivo aparente.

Mas ao contrário do senso comum, o sintoma não é um erro a ser eliminado.
Ele é, antes, uma formação do inconsciente — uma tentativa de dar forma a algo que não encontrou expressão simbólica.

Ou seja, o sintoma fala.
Mesmo quando o sujeito não sabe, ele está dizendo algo sobre seu desejo, sua história, seus fantasmas.


🧩 Repetimos porque ainda não simbolizamos

O que se repete — na escolha dos parceiros, nos fracassos constantes, nos vícios, nas crises recorrentes — não se sustenta apenas por fatores conscientes.

Há algo ali que retorna.

Retorna porque ainda não foi escutado com profundidade.

Não se trata de “tomar vergonha na cara” ou “mudar de atitude”, como muitas abordagens mais moralistas sugerem.
Trata-se de reconhecer a estrutura que está em jogo.

“Todo sintoma tem uma verdade subjetiva, mesmo que o sujeito ainda não consiga dizê-la.”


🎭 O papel da análise: escutar o que insiste

A psicanálise não oferece atalhos.
Ela não se propõe a prometer cura rápida, nem mudança por sugestão.
Ela convida o sujeito a se escutar de outro lugar.

E é nesse novo lugar — ao lado de um analista que não dá conselhos, mas sustenta a escuta — que o sujeito pode, pouco a pouco, deixar de repetir para começar a elaborar.

O que antes era só sofrimento cego, pode ganhar palavras.
E quando o sujeito pode dizer, pode também escolher de outro modo.

(Nem sempre é possível parar de repetir. Mas é possível escutar o que ali insiste — e isso já transforma.)


✒️ Conclusão

Se você chegou até aqui, talvez algo tenha tocado em você.

Talvez você reconheça um padrão. Um lugar conhecido demais. Uma repetição incômoda que já cansou.

Talvez já tenha dito muitas vezes “agora vai ser diferente”, mas a história se reescreveu com o mesmo desfecho.

A psicanálise não vai te dizer o que fazer.
Mas pode te ajudar a escutar por que você faz.
E, quem sabe, a desejar de outro modo.



Se algo nesse texto te fez parar por um instante, talvez já haja aí um começo.
O que se repete também pode ser escutado — e, quem sabe, deslocado.
O espaço da análise está aqui, quando você quiser dizer.

 

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