Estádio do espelho, o inicio da fantasia

 

1. Introdução: o que é o Estádio do Espelho?

O Estádio do Espelho é uma formulação desenvolvida por Jacques Lacan a partir da década de 1930, mas apresentada oficialmente em 1949 no Congresso de Psicanálise de Zurique. Trata-se de uma experiência estruturante do sujeito, ocorrida entre os 6 e 18 meses de vida da criança, quando ela se reconhece pela primeira vez na imagem refletida de um espelho.

Esse reconhecimento não é apenas perceptivo, mas tem efeitos psíquicos profundos: dá origem ao eu (moi) como uma instância imaginária, organizada pela identificação com uma imagem total e unificada, em contraste com a vivência de um corpo ainda fragmentado e descoordenado.


2. O contexto: o infans e a experiência de fragmentação

Antes desse momento, a criança vive o que Lacan chama de "corpo despedaçado" ou fragmentado: sensações corporais descoordenadas, ausência de uma unidade motora e perceptiva. Ela não tem uma percepção integrada do seu corpo.

O Estádio do Espelho introduz a primeira experiência de unificação, ainda que ilusória.


3. A cena do espelho

A criança, ao ver sua imagem refletida no espelho, percebe algo diferente:

  • Uma imagem total e unificada.

  • Uma aparência de coerência e domínio, que contrasta com sua experiência interna de incoordenação motora.

  • Frequentemente, ela sorri ou manifesta júbilo, expressando essa satisfação.

Mas, esse reconhecimento é enganoso: a criança se identifica com uma imagem exterior, criando um eu que é desde sempre um efeito de alienação.


4. A identificação primordial

O Estádio do Espelho funda a primeira identificação: a criança se reconhece na imagem, mas não percebe que está alienada a ela. Esse é o modelo básico de todas as identificações futuras.

Aqui nasce o moi (eu), que Lacan distingue do sujeito do inconsciente:

  • O moi: é a imagem que a criança assume como sendo ela mesma, uma construção imaginária.

  • O sujeito: é dividido, marcado pela linguagem, pelo desejo e pelo inconsciente, que nunca coincidem com essa imagem.


5. As consequências psíquicas

O Estádio do Espelho introduz algumas consequências fundamentais:

  • Alienação: o eu é estruturado a partir de uma imagem exterior.

  • Imaginário: inaugura-se a ordem imaginária, composta de relações especulares, de identificação e rivalidade.

  • Ideal do Eu: o eu formado torna-se um ideal a ser alcançado, algo que estrutura o narcisismo.

  • Dialética do eu e do outro: o sujeito se constitui sempre mediado pela imagem do outro.


6. O Estádio do Espelho como matriz das relações sociais

Lacan amplia a importância dessa experiência dizendo que ela é a matriz das relações humanas. Desde então, o sujeito estará implicado em relações com os outros baseadas:

  • Na identificação.

  • Na rivalidade (inveja da completude do outro).

  • No narcisismo (investimento na própria imagem).

Assim, o Estádio do Espelho não é apenas um evento infantil, mas uma estrutura que organiza o psiquismo humano.


7. O Estádio do Espelho e a tríade lacaniana

Este conceito se articula com os três registros que Lacan propõe:

  • Imaginário: o domínio das imagens e identificações; onde se inscreve o Estádio do Espelho.

  • Simbólico: a ordem da linguagem e da lei; que só se impõe depois, com a entrada do Nome-do-Pai.

  • Real: o impossível de simbolizar; o que está fora da imagem e da linguagem.


8. Fórmula clássica de Lacan (1949):

"O Estádio do Espelho como formador da função do eu, tal como nos é revelada na experiência psicanalítica."

Essa frase resume como Lacan vê o Estádio do Espelho: não só como uma etapa de desenvolvimento, mas como a estruturação da função do eu, cuja fragilidade e divisão são centrais para a psicanálise.


9. Ponto importante: não é um mero "marco do desenvolvimento"

Embora pareça um evento cronológico, para Lacan o Estádio do Espelho é estrutural, não apenas cronológico: ele define a forma como o sujeito humano se constitui, sempre mediado pela imagem e pela alienação.


10. Algumas referências clássicas:

  • Lacan, J. (1949). "O estádio do espelho como formador da função do eu". In: Escritos.

  • Miller, J.-A. (org.). "O Seminário, Livro 1" — O inconsciente estruturado como uma linguagem.


11. Exemplos clínicos

Na clínica, os efeitos do Estádio do Espelho podem ser observados em:

  • Problemas ligados ao narcisismo.

  • Dificuldades de diferenciação entre o eu e o outro.

  • Relações marcadas por rivalidade ou imitação.


12. Resumo em uma frase:

O Estádio do Espelho é o processo pelo qual a criança se identifica com uma imagem de si mesma, criando o eu (moi), sempre marcado pela alienação e pela estrutura do imaginário.

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